"Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi."

Fernando Pessoa

MADRUGADAS

24 março 2008

PENSAMENTO/INEXISTÊNCIA


O sopro do que sou
Desceu devagarinho...
Reconheço-te.
Não com todos os sentidos,
Tão só com aqueles que inventamos
No nosso intimo espaço de inexistência...
A distância dos risos e dos corpos,
Tornou-se a nossa intimidade.
Vejo-te;
Com o teu sortido de idades misturadas,
Quando te olho,
Com o meu olhar passivo,
Habituado já
A esta forma de relativa entrega.
A vida que nos existe
Tornou-se assim, simples e complexa,
Numa verdade por existir,
Toda feita de presente que inibria,
Num lugar sem lugar...
Concentro-me em ti!
Sinto aromas por inventar,
Num casulo
Onde nada chega e tudo te dou.
Através da memória tão meiga de ti,
Eu existo...
Existo em deliciosas vertigens
De intimidade comigo mesma,
E vou, num crescendo,
Ao mais fundo de mim.
Deslizo para o interior
Do que me existe há muito,
Que desconheço ainda,
Mas que sei que me completa.
Tu...deste-me
Uma nova consciência do meu ser
Ainda em desordem;
Acaricias-me a alma nas minhas insónias!
Apavora-me
A inevitável intranquilidade
De ficar só com o meu interior
E ter que te deixar partir
Para a margem da minha história.
Tenho tanto para te viver.
Temos histórias que não contámos;
Horas que nos esquecemos de viver;
Temos sonhos contagiados
Que nos unem para sempre.
Não me abandones
No frio da minha madrugada.



DORA

21 março 2008

MONÓLOGO DE EXISTIR

Onde é que eu começo?
O teu cheiro será igual à minha vontade de ti?
Os meus cabelos e os teus dedos perdem-se no tempo dos ventos antigos,
Numa dimensão paralela.
E esta sombra do que sou,
Projecta-se no novo sonho de aura azul;
Nesses olhos imensos que só vejo com a alma;
Na tua extensão de mim
Que me impões,
Que me absorve,
Que me estimula e assimila,
Como o horizonte a puxar o sol do fim do dia – irremediavelmente...
As tuas estrelas pulsam nas palavras
Que não preciso dizer...
Lês os meus olhos sem que os vejas.
Nem precisas...
Cúmplice de mim,
Ansioso,
Flutuas na minha madrugada, algo opaco.
Desabo então para o interior dos meus excessos de existência...
Contigo
Num caudal de entendimentos novos,
sem clausuras,
Loucos... raros... únicos,
como se eu merecesse por fim!
Resistirei?
A infiltração quotidiana do teu ser, em horas confidentes
Escondidas nas madrugadas multicores,
Arrancam cintilações
Das palavras que me adivinhas.
Já não sou só um momento,
Sou o lume que veio ao meu encontro.
E sobes pela minha vida
Sem que eu o pressinta,
Enlouquecida de insónias!!!

DORA

ESTÁTICA

Voemos como aves de neblina
pelas penas da manhã
onde me esqueço
onde acabo e tu começas.

Acordemos soprando o pó
que dorme nos nossos lábios
enquanto as cortinas respiram
vultos como sóis enfermos,
poisemos nas vértebras do vento
e lancemos as horas pela janela;

Aqui, nascendo deste útero de vento,
desabemos em corpos de estática
enquanto ferimos a linguagem
da nossa própria carne,
respiramos as vagas
de um luar escuro
e engulimos o assobio das aves
de todas as meias-noites:

Trepemos os candeeiros de rouxinóis
onde a voz do fado se faz sentir
no suspirar do vento e segues
o rumo das constelações com cada suspiro.

Shh, eis que chega mais um pôr-do-sol
que murcha de encontro ao mar
como areias movediças,
branco ricochete de estrelas: dorme,
dorme que é tempo das nossas sombras
ronronarem como folhas ao vento:

Dorme.

João Coelho

ECOS


Tropeço, vagabundo,

no passeio inflamado;


O som de vozes

e passos repetidos

soa vago, ecoando

no meu peito.A


lua corre apressada

e entorna a sua cal

nos meus lábios.


"E se eu pousarno teu poema esta noite?"


Pousa; pousa e ler-te-ei.


João Paulo Coelho

FARPAS

Aqui me sento feito poeira irrequieta
e amarga que não me cabe no peito
a pensar que as horas caladas são um navio
de raiva e de lume e que o frio
range na janela como a cal dos rios;

aqui me deito eu de coração inclinado
sobre o bafejar das sílabas dormentes
a redescobrir o silêncio, convencido
de que o tempo é tão pesado
quanto a mão que o carrega,
abismo passageiro do corpo-ânsia.

Aqui me sento incansável
sobre a sombra da minha sombra
a ver o mar deslizar lento
(sempre lento) nos meus ombros
como um formigueiro debaixo
da língua indecisa,

teimoso em fingir que tenho
a morte a morder a lua
na minha mão febril e que já não sei
se é silêncio ou labareda
este som que arrepia
a distância e sacode o pó
das minhas pálpebras
quando finjo dormir.

19/2/8

João Paulo Coelho

20 março 2008

CONSCIÊNCIA CALADA

Suspensa na corrente dos meus dias incolores
Feitos de cansaços… de limites,
Espero ansiosa, temerosa,
Que a nuvem onde escondo as ilusões…
Me absorva nos meus sonhos de menina.
Só nela há conforto;
Para o corpo entristecido,
Para a alma desgastada,
Para o olhar recolhido de solidão…
Que nem são meus!
Única, serena, a minha nuvem;
Espaço de ternura morna que é abrigo,
De quem já nada espera fora dela.
Aí me vivo.
Revejo meus contornos desfocados
Como se o beiral onde pousam pássaros,
Não fosse a minha alma,
Como se nada fosse em mim o que vivi,
E as folhas outonais
Que noto caídas…
Não são páginas da minha vida,
São sim outras vidas em mim…
Que já passaram!
Penduro-me hesitante
Em pedaços dessa nuvem.
Procuro, insistente,
O lugar em mim onde há vontades
E sonhos por viver…
Mas eu sou, afinal,
A folha outonal envelhecida,
Apagada,
Caída há muito sem me ter apercebido!
DORA

16 março 2008

Espaço de Sons e Silêncio

Pára... deixa o teu sentir!